- INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
O Bacharelado em Física do Instituto de Física da Universidade de São Paulo é o curso responsável pela formação de físicos com grau de bacharel, com o intuito principal de encaminhar os graduandos às atividades de pós-graduação e servir como o primeiro passo para o ingresso dos discentes na academia. É com base nessa premissa que o Projeto Político-Pedagógico do Bacharelado em Física estabelece, como objetivo do curso:
“[…] formar um profissional na área de física capacitado a (segundo proposta de regulamentação da profissão de físico):
- realizar pesquisas científicas e tecnológicas nos vários setores da Física ou a ela relacionados;
- aplicar princípios, conceitos e métodos da Física em atividades específicas que requerem conhecimento de princípios físicos ou que possam utilizar de metodologias utilizadas na área de física;
- no âmbito da sua especialidade, projetar, desenvolver, construir e fazer manutenção de equipamentos e sistemas em instrumentação científica, fontes de energia, instalações nucleares, proteção de meio ambiente, telecomunicações, integração de sistemas eletrônicos e ópticos;
- desenvolver programas e softwares computacionais baseados em modelos físicos.”
A análise da proposta pedagógica da Comissão Organizadora de Curso revela um foco quase que integralmente direcionado à instrução técnico-científica, razão por que as disciplinas (divididas entre obrigatórias e optativas) oferecidas aos alunos são centradas em tópicos de ciências duras.
Embora seja reconhecida a importância do preparo de físicos à pesquisa e ao cenário acadêmico em geral, em que as disciplinas científicas são essenciais, o PPP estabelecido ainda se encontra incompleto ao abordar determinados aspectos e nuances importantes a se considerar para a formação de bons profissionais da área. É com o objetivo de complementar a gama de conhecimentos englobados pelo curso superior que o CEFISMA vem a estabelecer um foro de discussão para a reformulação das propostas priorizadas pela CoC – Bacharelado.
As principais questões levantadas (e que serão discutidas neste escrito) são:
- a criação de uma disciplina obrigatória de nivelamento;
- a inclusão de disciplinas que abordam ciência e produção científica de forma epistemológica.
A importância de cada um dos pontos citados será discutida a seguir.
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- NIVELAMENTO: ALICERCES ELISTISTAS
As disciplinas oferecidas no primeiro período do Bacharelado em Física são:
OBRIGATÓRIAS:
- Física I;
- Física Experimental I;
- Vetores e Geometria;
- Cálculo Diferencial e Integral;
OPTATIVAS:
- Práticas de Atividades Físicas I;
- Introdução às Ciências Atmosféricas;
- Astronomia: Uma Visão Geral I.
Todas as matérias (excluindo-se Práticas de Atividades Físicas I e com ênfase nas disciplinas obrigatórias) abordam tópicos científicos duros, constituindo um leque necessário para o encaminhamento dos ingressantes aos conteúdos posteriores da graduação. Logo, é essencial que o discente que se encontra no semestre inicial acompanhe os programas transmitidos pelas aulas de modo a absorver os conceitos físicos e matemáticos fundamentais ao restante da formação.
Porém, mesmo tendo ciência da essencialidade das disciplinas iniciais, o PPP vigente falha em perceber duas mazelas principais que agem contrariamente às intenções da proposta pedagógica do Bacharelado:
II.a) O nível com que muitos ingressantes adentram o curso superior não é suficiente para o bom acompanhamento dos conteúdos.
A Universidade de São Paulo adota, como principal método de admissão, o exame vestibular elaborado pela FUVEST (Fundação Universitária para o Vestibular), ao passo que também oferece vagas para ingresso via resultados do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), Provão Paulista ou olimpíadas de conhecimento. Notadamente, as quatro modalidades visam a aferir o nível do candidato no que tange os saberes absorvidos durante a educação básica, sabendo-se que tais compreensões serão alicerces para a posterior construção formativa do ensino superior.
Entretanto, ainda que os processos seletivos aplicados a todos os candidatos tenham o mesmo objetivo, eles possibilitam a entrada de uma gama expressiva de estudantes tal que há uma margem muito grande entre seus níveis de conhecimentos prévios ao ingresso no Bacharelado em Física. Vale ressaltar que, mesmo que a variação citada tenha uma amplitude muito grande, um número considerável de discentes não se encontra na margem superior. Assim, são diversos os casos de dificuldades encontradas nas matérias do considerado “ciclo básico” devidos a uma base debilitada em conhecimentos matemáticos e físicos proveniente do ensino médio.
Tal situação é agravada pela instituição recente do Novo Ensino Médio, uma política governamental que se propõe a reformular a educação secundária de forma inovadora, mas cujo resultado final é uma abordagem pouco ortodoxa e muito menos conteudista que o Ensino Médio convencional. Não compõe objetivo presente discutir a adequabilidade dessa reforma educacional, contudo, é importante destacar que as mudanças vividas por vários alunos não se refletem nas modalidades de ingresso na USP, que seguem enfaticamente conteudistas. Além de ter, como consequência, a intensificação da dificuldade de ingresso na universidade experienciada pelos candidatos, aqueles que conseguem passar pelos processos de seleção encontram-se em um cenário ainda mais complicado quando se deparam com o nível acadêmico do ensino superior, visto que sequer foram adequadamente introduzidos aos conhecimentos do ensino médio exigidos pela universidade.
II.b) A disciplina de Física I (em especial) é transmitida de forma que é necessário possuir, em nível suficientemente aprofundado, conhecimentos matemáticos, em especial discutidos em Cálculo Diferencial e Integral I, ensinados concomitantemente àqueles que já requerem seu domínio.
Os objetivos da disciplina de Física I (4302111), como constam no sistema Júpiter,
são:
“Apresentar uma discussão clara e lógica dos conceitos e princípios básicos da mecânica, procurando desenvolver a intuição e a capacidade de raciocínio físico utilizando a análise vetorial e os elementos básicos do cálculo diferencial e integral.
Fortalecer a compreensão dos conceitos e princípios básicos da mecânica através de uma ampla gama de aplicações na física, em outras áreas, e em situações do mundo real.”
Intrinsecamente, a abordagem adotada na disciplina prevê a utilização de ferramentas da matemática universitária, dado que definir e modelar conceitos e problemas físicos por meio de elementos de cálculo diferencial e integral é uma habilidade fundamental para o decorrer da carreira acadêmica do estudante. Entretanto, a matemática citada, por ser de nível superior, não constitui matéria ensinada durante o ensino médio, tampouco exigida pela Universidade de São Paulo para o ingresso. A aquisição das habilidades de cálculo, portanto, se dá exclusivamente pelas aulas previstas no Projeto Político-Pedagógico do Bacharelado.
A problemática, no caso, reside na simultaneidade entre os ensinos de Cálculo e de Física de modo que, para compreender a abordagem de fenômenos físicos como transmitidos em Física I, o discente deve possuir domínio sobre artifícios matemáticos que ainda não lhe foram passados em Cálculo Diferencial e Integral I.
Assim, a falta de sincronia entre os conteúdos matemáticos que são passados e os que são cobrados concomitantemente caracteriza-se como uma grave mazela que muito afeta os alunos dos primeiros períodos do curso.
Os dois tópicos abordados dizem respeito à falta de reconhecimento dos diferentes níveis acadêmicos em que se encontram os ingressantes no curso do Bacharelado, especialmente por parte da CoC. Essa é uma questão que revela alicerces elitistas por trás da elaboração de um Projeto Político-Pedagógico incompleto e que ignora claros problemas profundamente enraizados em questões educacionais vividas por um amplo número de pessoas que integram os períodos iniciais do curso.
Ao supor que todos aqueles que passam pelos processos seletivos de ingresso possuem uma base suficientemente forte de saberes advindos do ensino secundário, tal que encontram-se em igual condição para a transição aos conteúdos superiores, o PPP vigente opera sob uma análise superficial das condições educacionais adversas que constituem a realidade de uma quantia significativa de novos membros do corpo discente. Tal visão rasa é fruto de uma óptica elitista: a pressuposição de correspondência entre os níveis dos aprovados nas modalidades admissionais, ainda mais de maneira ideal (i.e., como se todos os ingressantes possuíssem um alto nível de conhecimento prévio) desconsidera as distinções originárias, na maior parte dos casos, dos variados contextos socioeconômicos dos aprovados na USP.
Como consequência, essas incompletudes do PPP vigente acarretam alta taxa de abandono do Bacharelado em Física, visto que são muitos os estudantes que, desmotivados pelo alto nível do curso e pelas dificuldades em acompanhar as disciplinas fundamentais, optam pela desistência definitiva. De fato, os cursos do Instituto de Física apresentam grandes números de abandono, uma significativa preocupação para os corpos docente e discente que deve ser analisada e remediada pela Comissão de Organização de Curso.
O CEFISMA propõe, como medida para combater a situação apresentada, a criação e a instituição de uma disciplina obrigatória de nivelamento no primeiro período do Bacharelado. O objetivo dessa nova disciplina seria apresentar, aos ingressantes, elementos de pré-cálculo, de modo a melhor relacionar expressões matemáticas da Física com seus significados científicos, abordagem condizente com aquela do ensino superior, de maneira a acostumar os novos discentes com o estudo e a produção científicos universitários de forma gradual, além de tender às necessidades educacionais e lacunas de conhecimento que podem vir a prejudicar o desempenho de alunos no curso.
Ainda adicionalmente, a disciplina básica proposta também traria uma perspectiva filosófica à atividade do físico em formação, trazendo-lhe uma visão mais reflexiva acerca do ofício de pesquisador ainda no início da educação superior.
- EPISTEMOLOGIA: POR QUE FAZER O QUE SE FAZ?
A atual concepção da formação completa de um físico, em especial ressaltada no Projeto Político-Pedagógico vigente para o Bacharelado do IFUSP, é centrada no acúmulo de conhecimentos técnico-científicos avançados a fim de preparar pesquisadores capacitados em alguma área da Física. É indubitável que ter domínio sobre a ciência dura com que se pretende trabalhar é essencial tanto para o profissional pesquisador, como para a instituição que pretende ser reconhecida (ou manter o reconhecimento) como promotora de produção científica em excelência.
Todavia, é possível, novamente, citar o excerto inicial do objetivo do curso apontado anteriormente:
“[…] formar um profissional na área de física capacitado a (segundo proposta de regulamentação da profissão de físico):”
A profissão de físico, assim como outras profissões, é regulamentada por lei (no caso, a Lei nº 13.961 de 10 de julho de 2018). Contudo, ao trabalho em questão, cabem princípios que visam a estabelecer diretrizes éticas e epistemológicas com o intuito de direcionar o ofício científico à boa pesquisa, caracterizada pela condução adequada do estudo sob uma definição sólida do conceito de ciência. Nesse sentido, é observável que o atual PPP para o Bacharelado em Física da Universidade de São Paulo não enfatiza, em nenhum grau ou momento, a construção da ciência como conceito filosófico, tampouco a define de tal forma, o que é essencial para a instrução de cientistas de excelência, capazes de compreensão mais profunda, ampla e esclarecida sobre as atividades que desempenham.
A noção da necessidade de implementação de uma abordagem epistemológica para o Bacharelado advém da prioridade dada pelo CEFISMA ao enriquecimento da formação de físicos no ambiente da USP. É nossa posição que cientistas com uma percepção incrementada filosoficamente em relação à produção acadêmica são capacitados para o
bom desenvolvimento da Física, mantendo preocupações para com a elaboração de artigos enriquecidos e que seguem uma base bem estabelecida do que constitui o progresso científico.
A inclusão de pelo menos uma disciplina obrigatória sobre epistemologia para o Bacharelado será um avanço significativo para a formação dos físicos na Universidade de São Paulo. Essa abordagem permitirá o fomento de ideias acerca do significado de ciência entre os alunos, dotando-os de senso crítico em relação à produção de trabalhos, melhorando consideravelmente a elaboração científica dentro da universidade e também no Brasil como um todo, dada a relevância da USP para a produção científica nacional. A consciência reflexiva é um incremento apreciável aos cientistas, de modo que compreender o que se faz é o cerne de toda formação, mas compreender por quê é o que diferencia físicos de excelência.
Desde as linhas de pesquisa que buscam explicar o universo em seus aspectos mais fundamentais até as áreas de aplicabilidade mais imediata na sociedade, a Física tem muito a se beneficiar quanto mais importante for considerada a filosofia da ciência logo na graduação.
IV. CONSIDERAÇÕES
A ciência é de relevância imensurável para o cenário acadêmico, para o país e para a sociedade no geral. Essa é a mentalidade que deve guiar as buscas por melhorias no cenário acadêmico brasileiro em todas as esferas que englobam as atividades científicas no país. O CEFISMA, ocupando-se de assuntos do interesse dos estudantes do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, procura destacar questões que tangem desde os passos iniciais dos futuros acadêmicos até os tópicos da pós-graduação.
Ao propor a reforma do Projeto Político-Pedagógico do Bacharelado em Física, temos a intenção de não apenas melhorar as condições dos graduandos, mas também de, por meio dessas mudanças, agir em prol de todo o contexto científico brasileiro.
Através do foro de discussões sobre a reforma do PPP, queremos enaltecer as questões apresentadas, mas também enfatizar outros pontos de relevância que envolvam a graduação em Física – modalidade Bacharelado, em favor de uma formação científica completa.
Lutar pela ciência nacional é dever de todos os envolvidos em todas as posições da academia. A nós, estudantes, cabe a iniciativa de buscar, em suas raízes, os pontos de maior importância para que a USP, e consequentemente o Brasil, vivenciem um progresso vital no desenvolvimento científico.