O fim do Universo: Reflexões sobre a Morte, a Consciência e a Eternidade: Uma abordagem humana de uma morte fria e lenta de algo que nunca viveu

GLASS-213 fotografada pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST). É considerada a galáxia mais distante já observada, com uma idade estimada de 13,5 bilhões de anos

“A morte é a musa da filosofia” – Schopenhauer

A humanidade ponderou por muito tempo o que a morte é, chegando a inúmeras conclusões, mas o fim não é algo claro, nunca foi e talvez nunca será. A morte tem como uma de suas definições “a interrupção definitiva da vida de um organismo”, o universo não é literalmente vivo e certamente não é um organismo. Porém, ao aplicarmos um olhar humano à sua grandeza, ele parece ganhar uma semelhança com um ser vivo.

O universo, em sua vastidão e complexidade, parece ecoar vida, como se sua evolução, interações e eventual fim refletissem o ciclo de um ser vivo. A morte é algo que se faz cotidiano para o humano, é seu fim, ou para alguns, o recomeço, mas está no dia a dia pensar sobre, é algo inevitável, alguns negam e outros pensam sobre e usam da filosofia como uma eutanásia.

“Não temas o decreto da morte.Lembra-te do que existiu antes de ti, e do que virá depois de ti” (Eclesiástico 41,5)

A Dona é algo que fez muitos tremerem, o fim é horripilante pois dentro do nosso ser

o medo do incerto está instalado, quando tomamos noção que o fim existe, logo em seguida pela nossa natureza queremos saber o que vem depois.

No universo o fim por muitas vezes é um recomeço, o fim de uma estrela é o começo e a formação de outros corpos, isso também é visto na Terra quando um organismo morre, os seus restos são reaproveitados pela terra, toda matéria no universo encontra esse destino familiar.

Mas essa é apenas uma abordagem do fim material. Para onde vai nossa consciência é o que nos mantém acordados à noite e isso é algo que foi e vai provavelmente continuar incerto. Saber que nossos átomos vão um dia compor outra coisa é quase certo, a consciência é onde está quem somos de verdade e para onde ela vai é o que queremos saber, se você não crê em nada, a abordagem que voce vai usar é, ela vai o nada assim como antes de existir você no nada estava, na morte você vai novamente para esse nada.

O fim de um indivíduo chega, mas isso não significa o fim de tudo. É apenas mais um pôr do sol, e, mesmo sem esperarmos, o sol surgirá novamente, com a mesma intensidade. O pôr do sol possui sua beleza, pois é ele quem dá significado ao dia. O que seria de um dia sem o pôr do sol? A vida cairia em um vale de monotonia e fastio, sem propósito. A morte, quando não vem nos nossos melhores anos, nos encontra no momento propício. Para o nosso universo, o fim não é necessário, mas também não é desnecessário, é apenas o curso natural das coisas.

Ruinas de Remanso velho Bahia, cidade inundada pelo Lago de Sobradinho…

“E assim, algum dia,

As imponentes muralhas do vasto

universo,

Cercadas por forças hostis,

Cederão, enfrentarão a decadência

e desmoronarão em ruínas…”

(Lucretius. De rerum natura)

O que nos pertence, aquilo que conhecemos como nosso irá morrer de vários jeitos, o tempo enquanto avança leva junto com ele tudo que conhecemos, o nosso sistema solar, nossa galáxia e até mesmo as constelações já não vão mais existir do jeito que conhecemos, o futuro é outro lugar. A gente pode visitar um local uma, duas, três vezes mas em nenhuma dessas vezes você vai visitar o mesmo local pois o tempo age, o ferro oxida, a rocha carcome e o rio a terra invade.

Mas isso torna o universo outro universo? Não, o nosso universo vai mudar, mas suas leis, sua essência ainda vai estar ali, assim como uma pessoa não muda quem ela é quando muda em aparência, trejeitos ou dogmas, o nosso universo fundamentalmente vai se manter até o fim.

Então onde está a morte? A morte está contida no fim, uma frase banal e até óbvia, porém, não é o fim da humanidade e sim o fim de tudo.

A seta do tempo afeta o nosso universo como um todo e se a segunda lei da termodinâmica for verdadeira, no nosso universo a degradação avança junto, sempre na mesma direção. A Segunda Lei da Termodinâmica afirma que a entropia de um sistema isolado sempre tende a aumentar. Isso significa que, com o tempo, a desordem em qualquer sistema cresce, o tornando menos capaz de sustentar mudanças organizadas ou produtivas.

Imagine que temos Jobim uma pessoa bem desastrada, pelo menos uma vez ao ano

Jobim deixa a sua caneca favorita cair e todo ano ele a cola, só que toda vez que ele cola, um dos pedaços fica tão fragmentado que não pode mais ser aproveitado. Todo ano esse processo se repete e depois de um certo tempo Jobim vai ficar com uma quantidade de fragmentos inutilizável em um lado e do outro com uma caneca colada. Se Jobim viver uma vida extensa, eventualmente ele não vai conseguir novamente montar sua caneca predileta, não haverá mais pedaços que possam ser utilizados.

A situação do nosso universo é semelhante a de Jobim, ele o tempo todo está criando algo, mas para criar algo novo, perdemos um pouco de recurso, em algum momento não teremos mais recurso para modificar a entropia e assim, se o universo existir por tempo suficiente todo seu recurso vai ser esgotado resultando em um estado de máximo caos. Isso significa que o universo atingirá um equilíbrio no qual só vai restar calor, onde toda a energia útil já se dissipou.

Na evolução estelar, quanto mais velha a estrela, mais elementos pesados ela vai ter. Quando chegar no ferro ela dá o último suspiro para partir em direção a morte e, em vez de liberar energia, os núcleos de ferro na verdade vão absorver energia, criando assim um desequilíbrio na estrela e acarretando o fim de sua criação. Assim, chegando em sua última fase ela terá vários futuros possíveis: um buraco negro, uma anã branca ou uma estrela de nêutrons. Entretanto, nenhuma dessas vai realmente criar material para o universo reutilizar, apenas queimar até sumir.

Uma hora nosso universo não vai ter recurso para fazer algo novo, um dia tudo que sobrará, serão buracos negros e anãs negras. Depois que a última remanescente estelar

queimar, e o ultimo buraco negro evaporar não haverá mais recurso, o universo não conseguirá mais formar algo novo e assim só sobrará calor, uma morte térmica do universo.

E se, ao invés de uma expansão eterna, o universo decidisse regressar ao seu ponto de origem? O Big Crunch propõe exatamente isso; um colapso cósmico em que a gravidade, eventualmente, superaria a energia escura e inverteria a expansão. Nesse cenário, as galáxias começariam a se mover umas em direção às outras. As estrelas, antes dispersas, colidiriam em explosões de luz e energia. A matéria se fundiria em massas densas, e o próprio espaço-tempo começaria a encolher, culminando em uma singularidade semelhante ao estado primordial que deu origem ao Big Bang. Seria um ciclo, um eterno recomeço? Talvez. A ideia de que o fim do universo possa também ser seu renascimento é, de certa forma, reconfortante. Um eterno pulsar, como uma respiração cósmica que nunca cessa. Mas, e se o universo não apenas se expandisse, mas se expandisse de forma tão acelerada que destruísse tudo em seu caminho? O Big Rip sugere um fim onde a energia escura, ao invés de desacelerar ou se equilibrar, se tornaria dominante e implacável. Primeiro seriam as galáxias a se separarem, incapazes de resistir à força da expansão. Em seguida, os sistemas solares se dissolveriam, as estrelas se despedaçariam, os planetas seriam desintegrados. Até mesmo os átomos, a própria estrutura da matéria, seriam rasgados.

O universo, nesse cenário, não colapsaria em si mesmo, nem entraria em equilíbrio. Ele simplesmente seria destruído, até que nada restasse. A estrutura do espaço-tempo seria desfeita, em um fim tão absoluto quanto horripilante.

Mas se a degradação do universo é inevitável, o que isso significa para nós? Não somos apenas observadores passivos desse destino cósmico, mas uma parte necessária dele. Se toda a matéria um dia se dissipará, nossa existência, por menor que seja no grande esquema das coisas, ainda carrega um significado próprio. Se o universo caminha para o caos absoluto, qual é o sentido de nossa breve consciência dentro dele?

Nossa breve consciência, embora pequena diante do universo, ganha significado ao refletir sobre o próprio destino. O sentido da vida não está em evitar o caos, mas em encontrar beleza e valor no presente, mesmo sabendo que tudo é transitório. Ao reconhecer nossa temporalidade, conseguimos dar significado ao efêmero, criando um legado que transcende o inevitável fim.

Mas para aliviar nossos corações, essas hipóteses só se tornarão realidade após múltiplos bilhões de anos. Quando isso acontecer, talvez a humanidade já não exista há muito tempo. Nossa estrela, como todas as outras, também terá seu fim. Antes disso, se tornará uma gigante vermelha e engolirá os planetas rochosos próximos, incluindo a Terra. Talvez possamos sobreviver além disso com o auxílio da tecnologia, mas, mesmo assim, somos frágeis. Quando deixarmos de existir, outra espécie pode estar dando seus primeiros passos em algum lugar distante. Para nós, humanos, isso seria o fim do universo. Mas o cosmos continuará, indiferente, por bilhões e bilhões de anos. Atrelar a morte do universo à extinção da humanidade é um erro. É centrar nossa espécie como a razão do cosmos. A morte da humanidade será apenas o fim de uma perspectiva única sobre o universo. Ainda assim, será uma perda imensa. Mas, talvez, longe daqui, uma nova civilização surgirá, olhará para ele e perceberá que também é uma parte do todo.

A Terra vista de uma distância incrível, um ‘pálido ponto azul’ no vasto universo, lembrando-nos da fragilidade e beleza do nosso planeta.

Diante de todos esses cenários apocalípticos, uma verdade permanecera a nossa existência, tão breve e limitada, é um milagre de consciência diante da imensidão do É extraordinário que, em meio a um universo vasto e aparentemente indiferente, tenhamos surgido para contemplá-lo, para questionar a sua origem e o seu destino. Pensar sobre o fim do universo nos leva, inevitavelmente, a refletir sobre o nosso lugar dentro dele. Enquanto estrelas nascem e morrem, enquanto galáxias colidem e buracos negros consomem tudo ao redor, nós somos a única forma conhecida de matéria capaz de parar, olhar para o céu e se perguntar: “Por quê?”. A consciência humana é um evento raro e frágil, mas, ao mesmo tempo, carrega um poder incomensurável. É através dela que o cosmos se torna autoconsciente. De certa forma, ao pensarmos sobre o universo, o universo está pensando sobre si mesmo. Essa capacidade de refletir, de filosofar e de criar é, em si, uma vitória contra o vazio. Mesmo sabendo que tudo terá um fim, nós, a Terra, o Sol, as galáxias, seguimos criando arte, ciência e cultura. Enchemos nossa brevidade de significados que desafiam o caos ao nosso redor. Somos como uma vela acesa em uma vastidão escura, com a chama tremulando contra o vento, mas, ainda assim, ardendo com intensidade. Talvez a ideia do fim do universo, ao invés de nos assustar, deva nos lembrar da preciosidade do agora. Cada instante que temos é uma chance de nos conectarmos, de vivermos com propósito e de darmos significado ao que parece absurdo. Pois, mesmo que sejamos poeira de estrelas, somos também o breve momento em que a poeira se organiza para amar, criar e sonhar.

Se o cosmos é indiferente, isso não diminui o fato de que nossa consciência, por menor que seja no grande esquema das coisas, é capaz de gerar beleza e significado. Não somos apenas testemunhas do cosmos; somos participantes de sua dança. Ao transformar matéria e energia em pensamento e criação, a humanidade deixa marcas, por mais efêmeras que sejam, nesse grande palco cósmico.

Portanto, que a ideia da morte do universo não nos leve ao desespero, mas, sim, à apreciação daquilo que temos agora. Que ela nos inspire a valorizar o presente, não como um intervalo antes do fim, mas como um momento singular de existência que merece ser vivido em sua totalidade. Pois, no fim, somos todos parte do mesmo destino o de sermos breves fragmentos conscientes em um universo vasto, misterioso e, talvez, eterno em sua essência.

Imagem do Deep Field, capturada pelo Telescópio Espacial James Webb, mostrando milhares de galáxias distantes. Crédito: NASA, ESA, CSA e STScI, 2022.

Talvez o maior legado do universo não esteja em sua morte inevitável, mas no raro e breve momento em que permitiu que seres conscientes emergissem para contemplá-lo. É nesse vislumbre fugaz que encontramos significado, não porque o cosmos nos ofereça algo, mas porque escolhemos dar sentido a ele, mesmo em sua indiferença.

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  • HAWKING, S. W. Uma breve história do tempo: do Big Bang aos buracos negros. 1. ed
  • Davies, P. (1995). The last three minutes: The story of the ultimate fate of the universe.

Autor: Remanso

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