CEFISMA
Caros professores, funcionários e amigos do CEFISMA,
Anunciamos o fim da nossa greve na Física plenos em nossa consciência e firmes com nossa responsabilidade. De 21 de setembro a 20 de outubro de 2023, foram 29 dias de intensos debates, plenárias e Assembleias com planejamentos e mobilizações que levaram os estudantes da física a um outro patamar de consciência a respeito das falhas estruturais da sua Universidade. Também foram 29 dias de paralisação que resultaram numa série de negociações favoráveis não a um lado ou outro da greve, mas à Universidade de São Paulo como um todo e que trazem, especialmente no IFUSP, a certeza de que sairemos melhores e mais fortes da greve do que quando entramos nela.
É importante observar que ao longo desse período de mobilização não tivemos nenhum grande incidente entre estudantes, professores e funcionários assim como também não houve nenhum dano físico ou patrimonial dentro do nosso Instituto. Os estudantes fizeram questão de apresentar toda a disciplina, respeito e organização necessários ao bom andamento da greve sem que houvesse qualquer animosidade que nos colocasse em perigo ou conflito aberto. É fato consolidado que a greve de 2023 foi muito mais pacífica e respeitosa se comparada às greves de anos anteriores, coisa que nos causa orgulho, e assim esperamos ser recebidos no retorno às aulas: com paz e respeito.
Sabemos que houve, durante a paralisação, muitas falhas de comunicação entre os estudantes e professores. O início da greve foi mal anunciado aos docentes, sem que houvesse tempo hábil para a explicação das pautas e do processo de greve em si. No entanto, também sabemos que falhas de comunicação entre estudantes e professores não começaram apenas a partir da greve. A forma individualista de vida no IFUSP impede o relacionamento produtivo da comunidade ifuspiana, assim como impõe o trato frio e pouco fraterno entre estudantes, professores e funcionários.
A greve estudantil, definitivamente, foi bastante enfática em questionar a própria cultura política do Instituto. Há muito tempo percebemos uma certa dificuldade de nos fazer entender nos espaços universitários, seja em sala de aula, emails ou conselhos e comissões. Temos notado a extrema inflexibilidade do corpo docente em se abrir às críticas que estudantes tem feito ao modo aristocrata de funcionamento do Instituto de Física, não permitindo que eles consigam imprimir na Universidade de São Paulo um novo padrão de relacionamento e democracia interna que esteja a altura das contribuições políticas, teóricas e organizativas que os estudantes podem dar ao Instituto de Física, tendo em vista o seu aprimoramento completo.
Atualmente, existe uma cultura dentro do curso que confunde leis metafísicas abstratas com o processo e a instituição científica em si. Os livros e aulas transparecem tal caráter, suprimindo aspectos históricos, filosóficos e sociológicos da física e de como o desenvolvimento desta se dá por sucessivas mudanças que transcendem “o método científico”. Compreendemos que essa cultura contribui para uma alienação dos estudantes e professores à realidade política em que vivem, por vezes entendendo que o papel de um físico para seu contexto é inerentemente distante de disputas sociais. É por isso que precisamos falar de democracia aqui dentro para impedir que opressões e abusos se repitam com tamanha frequência no espaço acadêmico. Não se tratam de casos pontuais aqui e ali, mas de uma estrutura machista, transfóbica e, principalmente, racista instalada no Instituto, que verdadeiramente oprime a vida cotidiana dos estudantes mais fragilizados aqui presentes.
Do ponto de vista geral, a greve surgiu como um meio de garantir o caráter público da universidade, expresso por meio da luta para maior efetividade das políticas de permanência e da adequada manutenção do corpo de professores e funcionários. Lutamos principalmente: 1) pela retomada institucional do “gatilho automático” de contratação em caso de aposentadorias, exonerações e falecimentos; 2) por proporções entre os números de estudantes, professores e funcionários que sejam condizentes com a qualidade da universidade; 3) por uma política de permanência que permita um maior número possível de estudantes que consigam viver a universidade em sua plenitude sem a necessidade de dupla jornada de trabalho.
A greve, construída após outras formas de mobilização mais brandas encontrarem seus limites (RDs, cartas, manifestos, atos, etc), é um instrumento necessário na medida em que faltam espaços de decisão na universidade realmente democráticos. As negociações possibilitadas pela greve nitidamente trouxeram alguns avanços, entre eles, a construção da creche da EACH, a criação da Comissão de Acesso Indígena, a garantia de três refeições nos bandejões aos sábados, assim como a contratação de mais 148 professores e seu adiantamento para até junho de 2024 e das recomendações sobre abertura de concursos em cada unidade para ativação das cotas PPI. Há também uma série de outras reivindicações que serão reunidas e analisadas posteriormente.
Parte das respostas que temos elaborado para tudo isso foram dadas nessa greve e trabalharemos muito para garantir a sua devida consolidação. Sabemos que será uma batalha dura, mas o CEFISMA, em seus 64 anos de existência, nunca teve medo de ser vanguarda e mudar as coisas como elas devem ser mudadas. Esperamos encontrar aliados nesse caminho, que verdadeiramente enxerguem as mesmas necessidades que nós aqui apontamos de forma sincera. No fundo, os nossos objetivos, como estudantes nesse novo momento, apontam univocamente na mesma direção: construir um instituto que prioriza a construção do conhecimento e que preza pela comunicação e ensino emancipador. Não há como conquistar esses objetivos com fragmentação.
Nesse sentido, esperamos não encontrar, no próximo período, um desalinhamento entre turmas e docentes no que diz respeito à retomada das aulas. Durante todo o período de greve, diversas instâncias da educação no Brasil se manifestaram contra a represália política e acadêmica de professores à alunos. Existe uma orientação inequívoca, desde o MEC até a direção do Instituto, passando pela reitoria da USP, que ordena a reposição das aulas e avaliações. Pedimos apenas que haja o bom senso de seguir as atividades conforme o entendimento dos alunos sobre cada disciplina em curso. Há, porém, um consenso de que as aulas online não podem ser tidas como dadas, uma vez que age de má-fé contra o espírito democrático da universidade e rebaixa o nível das aulas como um todo. Sabemos que há uma quantidade considerável de estudantes que encontram dificuldades no acesso à infraestrutura necessária para acompanhar as aulas, além de que as matrículas são realizadas para cursos na modalidade presencial.
Por fim, é importante dizer que os estudantes saem dessa greve coalescidos como corpo discente, com a cabeça erguida, mais mobilizados e organizados. Temos mais capacidade de reconhecer com profundidade os problemas estruturais da Universidade e do Instituto de Física e estaremos atentos ao cumprimento dos acordos estabelecidos entre as partes. É necessário ter a coragem de assumir que tais problemas existem para mudá-los. A USP está lotada de contradições e saber que elas estão inseridas em um processo histórico que dificulta o ingresso, permanência e formação é fundamental para trabalharmos na construção da Universidade que queremos.
São Paulo, 20 de Outubro de 2023
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