
“A morte é a musa da filosofia” – Schopenhauer
A humanidade ponderou por muito tempo o que a morte é, chegando a inúmeras conclusões, mas o fim não é algo claro, nunca foi e talvez nunca será. A morte tem como uma de suas definições “a interrupção definitiva da vida de um organismo”, o universo não é literalmente vivo e certamente não é um organismo. Porém, ao aplicarmos um olhar humano à sua grandeza, ele parece ganhar uma semelhança com um ser vivo.
O universo, em sua vastidão e complexidade, parece ecoar vida, como se sua evolução, interações e eventual fim refletissem o ciclo de um ser vivo. A morte é algo que se faz cotidiano para o humano, é seu fim, ou para alguns, o recomeço, mas está no dia a dia pensar sobre, é algo inevitável, alguns negam e outros pensam sobre e usam da filosofia como uma eutanásia.
“Não temas o decreto da morte.Lembra-te do que existiu antes de ti, e do que virá depois de ti” (Eclesiástico 41,5)
A Dona é algo que fez muitos tremerem, o fim é horripilante pois dentro do nosso ser
o medo do incerto está instalado, quando tomamos noção que o fim existe, logo em seguida pela nossa natureza queremos saber o que vem depois.
No universo o fim por muitas vezes é um recomeço, o fim de uma estrela é o começo e a formação de outros corpos, isso também é visto na Terra quando um organismo morre, os seus restos são reaproveitados pela terra, toda matéria no universo encontra esse destino familiar.
Mas essa é apenas uma abordagem do fim material. Para onde vai nossa consciência é o que nos mantém acordados à noite e isso é algo que foi e vai provavelmente continuar incerto. Saber que nossos átomos vão um dia compor outra coisa é quase certo, a consciência é onde está quem somos de verdade e para onde ela vai é o que queremos saber, se você não crê em nada, a abordagem que voce vai usar é, ela vai o nada assim como antes de existir você no nada estava, na morte você vai novamente para esse nada.
O fim de um indivíduo chega, mas isso não significa o fim de tudo. É apenas mais um pôr do sol, e, mesmo sem esperarmos, o sol surgirá novamente, com a mesma intensidade. O pôr do sol possui sua beleza, pois é ele quem dá significado ao dia. O que seria de um dia sem o pôr do sol? A vida cairia em um vale de monotonia e fastio, sem propósito. A morte, quando não vem nos nossos melhores anos, nos encontra no momento propício. Para o nosso universo, o fim não é necessário, mas também não é desnecessário, é apenas o curso natural das coisas.

“E assim, algum dia,
As imponentes muralhas do vasto
universo,
Cercadas por forças hostis,
Cederão, enfrentarão a decadência
e desmoronarão em ruínas…”
(Lucretius. De rerum natura)
O que nos pertence, aquilo que conhecemos como nosso irá morrer de vários jeitos, o tempo enquanto avança leva junto com ele tudo que conhecemos, o nosso sistema solar, nossa galáxia e até mesmo as constelações já não vão mais existir do jeito que conhecemos, o futuro é outro lugar. A gente pode visitar um local uma, duas, três vezes mas em nenhuma dessas vezes você vai visitar o mesmo local pois o tempo age, o ferro oxida, a rocha carcome e o rio a terra invade.
Mas isso torna o universo outro universo? Não, o nosso universo vai mudar, mas suas leis, sua essência ainda vai estar ali, assim como uma pessoa não muda quem ela é quando muda em aparência, trejeitos ou dogmas, o nosso universo fundamentalmente vai se manter até o fim.
Então onde está a morte? A morte está contida no fim, uma frase banal e até óbvia, porém, não é o fim da humanidade e sim o fim de tudo.
A seta do tempo afeta o nosso universo como um todo e se a segunda lei da termodinâmica for verdadeira, no nosso universo a degradação avança junto, sempre na mesma direção. A Segunda Lei da Termodinâmica afirma que a entropia de um sistema isolado sempre tende a aumentar. Isso significa que, com o tempo, a desordem em qualquer sistema cresce, o tornando menos capaz de sustentar mudanças organizadas ou produtivas.
Imagine que temos Jobim uma pessoa bem desastrada, pelo menos uma vez ao ano
Jobim deixa a sua caneca favorita cair e todo ano ele a cola, só que toda vez que ele cola, um dos pedaços fica tão fragmentado que não pode mais ser aproveitado. Todo ano esse processo se repete e depois de um certo tempo Jobim vai ficar com uma quantidade de fragmentos inutilizável em um lado e do outro com uma caneca colada. Se Jobim viver uma vida extensa, eventualmente ele não vai conseguir novamente montar sua caneca predileta, não haverá mais pedaços que possam ser utilizados.
A situação do nosso universo é semelhante a de Jobim, ele o tempo todo está criando algo, mas para criar algo novo, perdemos um pouco de recurso, em algum momento não teremos mais recurso para modificar a entropia e assim, se o universo existir por tempo suficiente todo seu recurso vai ser esgotado resultando em um estado de máximo caos. Isso significa que o universo atingirá um equilíbrio no qual só vai restar calor, onde toda a energia útil já se dissipou.
Na evolução estelar, quanto mais velha a estrela, mais elementos pesados ela vai ter. Quando chegar no ferro ela dá o último suspiro para partir em direção a morte e, em vez de liberar energia, os núcleos de ferro na verdade vão absorver energia, criando assim um desequilíbrio na estrela e acarretando o fim de sua criação. Assim, chegando em sua última fase ela terá vários futuros possíveis: um buraco negro, uma anã branca ou uma estrela de nêutrons. Entretanto, nenhuma dessas vai realmente criar material para o universo reutilizar, apenas queimar até sumir.
Uma hora nosso universo não vai ter recurso para fazer algo novo, um dia tudo que sobrará, serão buracos negros e anãs negras. Depois que a última remanescente estelar
queimar, e o ultimo buraco negro evaporar não haverá mais recurso, o universo não conseguirá mais formar algo novo e assim só sobrará calor, uma morte térmica do universo.
E se, ao invés de uma expansão eterna, o universo decidisse regressar ao seu ponto de origem? O Big Crunch propõe exatamente isso; um colapso cósmico em que a gravidade, eventualmente, superaria a energia escura e inverteria a expansão. Nesse cenário, as galáxias começariam a se mover umas em direção às outras. As estrelas, antes dispersas, colidiriam em explosões de luz e energia. A matéria se fundiria em massas densas, e o próprio espaço-tempo começaria a encolher, culminando em uma singularidade semelhante ao estado primordial que deu origem ao Big Bang. Seria um ciclo, um eterno recomeço? Talvez. A ideia de que o fim do universo possa também ser seu renascimento é, de certa forma, reconfortante. Um eterno pulsar, como uma respiração cósmica que nunca cessa. Mas, e se o universo não apenas se expandisse, mas se expandisse de forma tão acelerada que destruísse tudo em seu caminho? O Big Rip sugere um fim onde a energia escura, ao invés de desacelerar ou se equilibrar, se tornaria dominante e implacável. Primeiro seriam as galáxias a se separarem, incapazes de resistir à força da expansão. Em seguida, os sistemas solares se dissolveriam, as estrelas se despedaçariam, os planetas seriam desintegrados. Até mesmo os átomos, a própria estrutura da matéria, seriam rasgados.
O universo, nesse cenário, não colapsaria em si mesmo, nem entraria em equilíbrio. Ele simplesmente seria destruído, até que nada restasse. A estrutura do espaço-tempo seria desfeita, em um fim tão absoluto quanto horripilante.
Mas se a degradação do universo é inevitável, o que isso significa para nós? Não somos apenas observadores passivos desse destino cósmico, mas uma parte necessária dele. Se toda a matéria um dia se dissipará, nossa existência, por menor que seja no grande esquema das coisas, ainda carrega um significado próprio. Se o universo caminha para o caos absoluto, qual é o sentido de nossa breve consciência dentro dele?
Nossa breve consciência, embora pequena diante do universo, ganha significado ao refletir sobre o próprio destino. O sentido da vida não está em evitar o caos, mas em encontrar beleza e valor no presente, mesmo sabendo que tudo é transitório. Ao reconhecer nossa temporalidade, conseguimos dar significado ao efêmero, criando um legado que transcende o inevitável fim.
Mas para aliviar nossos corações, essas hipóteses só se tornarão realidade após múltiplos bilhões de anos. Quando isso acontecer, talvez a humanidade já não exista há muito tempo. Nossa estrela, como todas as outras, também terá seu fim. Antes disso, se tornará uma gigante vermelha e engolirá os planetas rochosos próximos, incluindo a Terra. Talvez possamos sobreviver além disso com o auxílio da tecnologia, mas, mesmo assim, somos frágeis. Quando deixarmos de existir, outra espécie pode estar dando seus primeiros passos em algum lugar distante. Para nós, humanos, isso seria o fim do universo. Mas o cosmos continuará, indiferente, por bilhões e bilhões de anos. Atrelar a morte do universo à extinção da humanidade é um erro. É centrar nossa espécie como a razão do cosmos. A morte da humanidade será apenas o fim de uma perspectiva única sobre o universo. Ainda assim, será uma perda imensa. Mas, talvez, longe daqui, uma nova civilização surgirá, olhará para ele e perceberá que também é uma parte do todo.

Diante de todos esses cenários apocalípticos, uma verdade permanecera a nossa existência, tão breve e limitada, é um milagre de consciência diante da imensidão do É extraordinário que, em meio a um universo vasto e aparentemente indiferente, tenhamos surgido para contemplá-lo, para questionar a sua origem e o seu destino. Pensar sobre o fim do universo nos leva, inevitavelmente, a refletir sobre o nosso lugar dentro dele. Enquanto estrelas nascem e morrem, enquanto galáxias colidem e buracos negros consomem tudo ao redor, nós somos a única forma conhecida de matéria capaz de parar, olhar para o céu e se perguntar: “Por quê?”. A consciência humana é um evento raro e frágil, mas, ao mesmo tempo, carrega um poder incomensurável. É através dela que o cosmos se torna autoconsciente. De certa forma, ao pensarmos sobre o universo, o universo está pensando sobre si mesmo. Essa capacidade de refletir, de filosofar e de criar é, em si, uma vitória contra o vazio. Mesmo sabendo que tudo terá um fim, nós, a Terra, o Sol, as galáxias, seguimos criando arte, ciência e cultura. Enchemos nossa brevidade de significados que desafiam o caos ao nosso redor. Somos como uma vela acesa em uma vastidão escura, com a chama tremulando contra o vento, mas, ainda assim, ardendo com intensidade. Talvez a ideia do fim do universo, ao invés de nos assustar, deva nos lembrar da preciosidade do agora. Cada instante que temos é uma chance de nos conectarmos, de vivermos com propósito e de darmos significado ao que parece absurdo. Pois, mesmo que sejamos poeira de estrelas, somos também o breve momento em que a poeira se organiza para amar, criar e sonhar.
Se o cosmos é indiferente, isso não diminui o fato de que nossa consciência, por menor que seja no grande esquema das coisas, é capaz de gerar beleza e significado. Não somos apenas testemunhas do cosmos; somos participantes de sua dança. Ao transformar matéria e energia em pensamento e criação, a humanidade deixa marcas, por mais efêmeras que sejam, nesse grande palco cósmico.
Portanto, que a ideia da morte do universo não nos leve ao desespero, mas, sim, à apreciação daquilo que temos agora. Que ela nos inspire a valorizar o presente, não como um intervalo antes do fim, mas como um momento singular de existência que merece ser vivido em sua totalidade. Pois, no fim, somos todos parte do mesmo destino o de sermos breves fragmentos conscientes em um universo vasto, misterioso e, talvez, eterno em sua essência.

Talvez o maior legado do universo não esteja em sua morte inevitável, mas no raro e breve momento em que permitiu que seres conscientes emergissem para contemplá-lo. É nesse vislumbre fugaz que encontramos significado, não porque o cosmos nos ofereça algo, mas porque escolhemos dar sentido a ele, mesmo em sua indiferença.
Bibliografia:
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Autor: Remanso