Roda de Conversa ENADE, NEM e ENSINO

No dia 13 junho de 2025, o Cefisma, Centro Acadêmico do Instituto de Física da USP, organizou uma Roda de conversa com o tema “ENADE, NEM E ENSINO”, para a qual foi realizado um convite para a Célula de Professores (Capital-SP) do PCBR compôr a mesa. Abaixo transcrevemos as falas ocorridas na mesa para servir de subsídio para outros debates.

Denis S.

Sou o Denis, estou há um tempo na Licenciatura, Vou começar abrindo a mesa reforçando o que o Ely falou, se preocupar com educação pública, mesmo que seja a educação básica é se preocupar também com a educação universitária, elas estão ligadas, os processos de ataque podem ser sentidos tanto lá quanto aqui e é isso que vamos falar. Começando com um panorama histórico de como chegamos à esse estado de coisas, das decisões serem tomadas de formas tão violentas, tão aliadas aos interesses de mercado. De uma produção de mão de obra não especializada. Eu acho que um ponto mais marcante da nossa história recente foi o Golpe de 2016, só dando essa lembrada, que ela deu uma abertura para esse tipo de Ensino mais Neo-liberal, mais ligado a esse mercado de consumo.

Lembrando um pouco que em 2016, com o Golpe do Temer, ele já quebra dois direitos básicos da nossa Constituição, a primeira coisa é que ele já faz um corte tremendo de gastos, estabelecendo tetos de gasto para todo o Ensino Público, tanto no Ensino Básico quanto no Ensino Superior. E a gente sofre com esses cortes até hoje, que inclusive impediu a sequência do PNE – Plano Nacional de Educação, que visava aumentar o investimento em educação até 12% do PIB até ano passado, que foi um plano instituído em 2014 pela Dilma. E também ele vem com o corte da Previdência, então esse ataque à educação sempre vem ligado à segurança dos trabalhadores.

Em sequência, junto à essas medidas, ele vem com a Reforma do Ensino Médio, consolidar essa Reforma com uma medida autoritária e não democrática. Ele faz isso por uma Medida Provisória, que altera diretamente alguns artigos da Constituição, da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que desde então vem sofrendo uma série de alterações, quase todo ano. O que é um problema pois, para quem não sabe, a LDB rege os fundamentos básicos da Educação Brasileira no Ensino Básico, então tudo que fazemos no Ensino é permeado pela LDB. E essas alterações, essas medidas são bem violentas. Elas rompem com o que era o Ensino Médio um pouco antes, que ainda tinha uma carga horária um pouco mais voltada para as Ciências, para a formação cidadã e passa a transformar num Ensino para a tender ao mercado. Tanto que uma mudança importante que aparece no texto é a mudança de ordem da “formação cidadã” para colocar como prioridade a “formação para o mercado de trabalho”, então vem esse ensino que desestimula o pensamento crítico. É tanto que as principais disciplinas atacadas, até hoje, são as de Filosofia e de Sociologia, que foram sendo tiradas do Ensino Médio. Atacam também o Ensino de Física, Química, Biologia que são fragilizadas e tem a sua carga diminuída. Tem também o processo de transformar as escolas em Ensino Integral. Então acaba tendo também esse projeto que acho que o Carlos vai falar um pouco mais, sobre o que está sendo esse problema da imposição das PEIs.

A medida provisória insere dois marcos importantes para fragilizar a carreira de professor, um primeiro é a permissão de contratação de pessoas com “notório saber” como professores, que são pessoas que não tem licenciatura mas poderão estar nas escolas ensinando, que estando dentro da categoria podem dar aula. Por exemplo, engenheiros ensinando física, jornalistas ensinando português. O que fragiliza, tanto a nossa classe enquanto professor, mas também fragiliza o ensino, a educação e dá abertura para qualquer tipo de profissional. Então foi uma medida bem impactante, e junto com ela também foram estabelecidos os itinerários formativos, que eles são uma boa desculpa, um bom mecanismo para eles começarem a inserir essa ideia de tecnologia no ensino infantil, no ensino básico. Que vem com essa ideia de atingir ideais formulados na Europa. Esses ideais da Reforma do Ensino Médio, teve papel central de fundações como a Fundação Victor Chivita, que é uma fundação coordenada desde os anos 20, pela classe dominante. Chivita é um grande empresário, um dos fundadores da Revista Abril, e atuam diretamente sobre o Ensino. Através da pesquisa dela na época, sobre o Ensino Médio, pesquisas do Banco Central e outros órgãos também ligados ao mercado se justifica a implementação da Reforma do Ensino Médio.

Essa Reforma é muito pautada numa ideologia de mercado. Então é formar esses jovens voltados totalmente para essa lógica neoliberal, voltado para esses objetivos. As motivações do Ministro da Educação da época, que era o Mendonça Filho eram essas, e isso abre portas para o que estamos passando hoje em dia.

Há várias outras organizações de mercado ligadas a essa pauta, Fundação Ayrton Senna, Jorge Paulo Lemann, que são um dos três nomes principais, e todos ligados ao mercado de consumo, todos são do mercado financeiro, investidores, empresários, nenhum é educador e isso impacta diretamente na educação, em especial na mercantilização da educação. Nós temos hoje 70% de professores com contratos temporários, tem a questão da gestão escolar e demissão de diretores e a fragilização da própria secretaria que está sendo constantemente observada. Então aumentou uma política de fiscalização, opressão e controle muito forte para dentro da escola. Então só trazendo um pouco desse contexto é a partir de 2016 que temos essa consolidação burocrática da opressão que estamos vivendo agora. Passo a palavra para o Carlos.

Carlos Chaves

Primeiro, boa tarde, quero começar me apresentando, sou Carlos Chaves, militante do PCBR, estou voltando à casa, pois construí durante alguns anos o Cefisma então é muito bom ser convidado para voltar e falar de educação e do que a gente tem feito. Atualmente sou professor no Estado, numa escola na Zona Norte, dado aula de Física para o 1°, 2° e 3° ano do Ensino Médio e também construo o Sindicato dos professores da Rede Estadual que é a APEOESP. A fala que vou fazer aqui, principalmente o que toca nos pontos sobre a greve não é uma visão consensuada pelo Sindicato sobre esse processo, é muito mais um balanço do PCBR sobre isso, e da minha própria experiência. Só para deixar claro, que não há um balanço consensuado nesse momento.

Para além disso, o nome dessa roda é ENADE, NOVO ENSINO MÉDIO E ENSINO DE FÍSICA, quero focar principalmente na questão do Enade e ainda assim fazer um certo distanciamento para tratar disso indiretamente. O que quero fazer é tentar dar um panorama um pouco retrospectivo e principalmente falar das influências, da onde isso vem, e buscar conversar com vocês sobre um texto que vejo como fundamental, que todo mundo que pensa o Ensino deveria ler que é esse texto que a apresentação foi entregue (LEIA AQUI) , que fala um pouco dessa influência principalmente Estadunidense na implementação dessa política educacional no Brasil, tratar da onde vem essa ideia e principalmente qual é o problema de princípios dessas ideias. Porque, começando do começo, o ENADE é o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, ele é aplicado em Instituições de Ensino Superior (IES) e para a educação básica temos o IDEB que é o índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O que quero tratar aqui é menos a especificidade dessas avaliações, desses exames, desses índices, da sua aplicabilidade ou defeitos pontuais, o que tem de errado em um ou em outro e mais de aspectos gerais do porquê isso é problemático. Entendendo aqui, que é uma ideia problemática por princípio.

Para começar, a primeira coisa que precisamos pontuar é que quando falamos de educação, não existe neutralidade. A ideia de neutralidade inclusive é uma ideia defendida ideologicamente por todas essas pessoas que grupos que querem defender essas plataformas, esses modelos, essas “fórmulas mágicas” para “salvar a educação”. Elas têm suas perspectivas políticas e ideológicas de como a Educação deve funcionar, para quais interesses etc, mas essas ideias são escondidas, elas ficam obscuras atrás de uma certa ideia de racionalidade, de índices, de dados. Então é passada uma ideia de que “O que fazemos aqui é tudo racional, é tudo científico, é tudo lógico” e se o professor está lá, vivenciando uma experiência que contradiz aquele dado, ele é vendido como um negacionista. Então se ele vê que o aluno não aprende nada, que a situação das escolas está sendo deteriorada. Se toda essa percepção existe, eles vendem que não, que isso é algo irracional, que é uma questão de sensibilidade do professor, etc. “Isso é porque o professor é ideológico, e a gente não, nós temos as informações, análises, dados que indicam outra coisa”.

Começando, queria trazer uma citação provocativa que é de um historiador do Humor que é o Elwin Broks White, que é um historiador do humor, e em um de seus livros diz: “Dissecar o humor é como dissecar um sapo. Poucas pessoas se interessam e o sapo morre por conta disso”. Acho que isso é uma colocação interessante para a gente pensar nesse processo do que é “obter todos os dados”, que eles querem, obter todos os dados, dissecar como é o processo educativo, o que faz uma pessoa aprender mais ou menos, qual é a melhor avaliação e método, etc. Que podemos dizer que é um processo parecido, sim. Eventualmente você vai conseguir dissecar a educação, o que não contam é que nesse processo de dissecar a educação também acabam matando ela. Também matam o processo humano educativo e como este se dá no cotidiano.

Para isso, quero partir desse texto da Diane Ratvitch (não tenho certeza sobre a pronúncia) que se chama “Vida e morte do Grande Sistema Escolar Americano: Como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação”. E este texto é muito interessante, por que? Porque geralmente, na educação vemos críticas de pessoas que estão “de fora” da instituição, de fora dos processo decisórios, muitas vezes são os partidos políticos que percebem e denunciam os problemas, são os professores, enfim, grupos que não formularam essas políticas. Nesse caso é diferente. A Diane, foi uma formuladora dessas políticas Neoliberais da educação nos anos 90. Então lá no governo do Bush pai, ela é convidada, apesar de ser do Partido Democrata, a participar desses projetos e, naquele momento ela concorda completamente dessas política de mercado e ajuda a elaborar e escrever os projetos, principalmente para a àrea de História, e esses projetos são implementados nos Estados Unidos. E o que se avança lá é principalmente nesses mecanismos de testagem e avaliação em larga escala e de sondagem em massa.

O que acontece é que depois de duas décadas dessa implementação ela faz uma profunda autocrítica, que é esse livro que vocês podem acessar, no qual ela indica que todo esse trabalho que eles fizeram não serviu para os propósitos de desenvolvimento e melhora da educação mas, pelo contrário, serviu para: 1) um avanço da entrada de grandes corporações privadas no setor da educação pública, então, a partir do momento em que você separa o pedagógico da administração e gestão escolar, se abre espaço para as corporações cada vez mais balizarem o que deve ser a educação e como ela deve funcionar. Então lá nos Estados Unidos eles criaram um programa chamado “No Child Left Behind”, que vai no sentido de “nínguém fica para trás”, que idealmente é uma ideia bonita. Nós também não queremos deixar ninguém para trás. Mas que isso abriu margem para não se criar um sistema padronizado de educação com qualidade. Isso abriu margem muito mais para que cada responsável pudesse “escolher” que tipo de escola quer para o seu filho.

Então se você tem lá um responsável que não acredita ou não tem condições de acreditar, no potencial da criança, ou tem alguma criança com alguma questão social complexa ou problemática no sentido de não adequação às normas escolares de uma escola de maior qualidade. Esse responsável ia sendo convidado a retirar essa criança da escola de maior qualidade. Encaminhando grupos de crianças para escolas de menor qualidade no lugar de melhorar as condições de qualidade e permanência para todos em todas as escolas.

Para além disso, abriu margem para, 2) Privatização e Opressão de vários setores que atuam na educação. A princípio sobre os professores, porque é feita uma imposição currícular, e nesse sentido qualquer semelhança com a situação brasileira não é mera coincidência, mas principalmente pelas gestões escolares. Porque a escola, a partir do momento em que você tem esses índices, ela deixa de ter um papel social de formação educacional desses estudantes, ela passa a ter uma função que é praticamente corporativa, que é de alcançar um índice, que deve ser batido, às custas do que? Não importa! Se você precisar massacrar tanto a sua gestão democrática, quanto a participação efetiva dos estudantes, suas formas de expressão, ou seu autoconhecimento para chegar naquele índice, você vai fazer isso. Porque esse índice vale meta, vale bonificação para esses profissionais todos e no limite é o que vale o emprego das pessoas. Então elas passam a ser cada vez mais ameaçadas e se inicia um processo de… (Nós que somos físicos conhecemos bem o termo), “Cozinhar dados”, então cada vez mais essa mentira é institucionalizada. Você precisa ter 90% de presença em sua sala de aula? Se mais de 90% dos alunos faltarem o que você faz? Uma busca ativa para tentar ter eles dentro da sala? Sim! Mas se te obrigarem a ter 90% senão você pode ser demitido, você vai começar a mentir na chamada. Então esse tipo de coisa começa a acontecer em larga escala e a consequência que a autora apresenta aqui no livro é que durante mais de 20 anos em que essa política foi aplicada, isso serviu para o emburrecimento da população Estadunidense, que é algo que realmente observamos na conjuntura atual, em que vez ou outra surgem pesquisas que mostram que uma parcela da população Estadunidense acreditam que o achocolatado vem de vacas marrons, é onde têm os maiores índices de pessoas negacionistas em relação à ida do homem para a lua, terra plana, etc. E isso tem muito a ver com esses mecanismos que foram aplicados na educação lá.

A provocação que o autor da Apresentação do livro faz acho que é bastante pertinente, que é “Por que nós estamos copiando uma ideia falida dos Estados Unidos? Se eles lá já concluíram que essa era uma ideia falida?” Temos que cada vez implantado os mesmos pressupostos. Com algumas sendo cópias baratas, cópias mal feitas dessas ideias. Devemos problematizar porque isso tem principalmente retirado o significado da educação. Discutimos muito, principalmente no curso da licenciatura, o que é Ciência, o que é Educação, qual é o significado da educação para formação cidadã, participação política e para a melhora do país, mas todos esses significados acabam ficando mais rarefeitos, menos densos e profundos quando você desloca o sentido da educação para esses sentidos educacionais pedagógicos e o coloca apontando para a obtenção de um índice, em prol de “Agora a USP vai ser número 1 no ENADE”. O que ela vai precisar para ser a n°1 no ENADE? Vai precisar se tornar mais acolhedora? Com mais diversidade? Com mais pessoas que nunca estiveram na Universidade e agora, pela primeira vez, podem estar. Ou o que vai ser defendido é “Para ser n°1 no ENADE esses estudantes precisam saber fazer essa prova”, então ficamos cada vez mais numa lógica vestibulesca eterna, em que esses estudantes vão entrar nas graduações mas não vão entrar nessas graduações para se tornarem pesquisadores ou professores capazes de pensar questões mais complexas ou novas questões que ainda não foram respondidas. Vão ser estimulados a correrem atrás de índices que já existem e questões que tem resposta padronizadas, esse tipo de coisa.

Estou quase finalizando aqui, queria só citar um trecho de balanço sobre esse processo todo lá nos Estados Unidos que diz: “Esse processo vem acompanhado de grande interferência do setor privado de educação, as grandes fundações vem promovendo reformas educacionais baseados num modelo de gestão do setor corporativo, sem considerar a sua pertinência para o setor de ensino. Você não precisa saber nada sobre crianças ou educação, o apelo do mercado é a ideia de que a libertação das mãos do governo é uma libertação por si só”. Esse é o mesmo processo que estamos passando aqui no Brasil, especialmente em São Paulo, com Tarcísio e Ricardo Nunes. Nos últimos meses, tanto na Prefeitura quanto no Estado, tivemos de forma totalmente autoritária, atravessada a demissão de dezenas de diretores, tanto da Rede Estadual quanto Municipal, porque supostamente “não bateram metas”. Metas essas que diziam muito menos sobre a qualidade escolar e muito mais quantitativas. “Queremos mostrar essas planilhas na próxima campanha eleitoral”, então quem não bater essas metas, seja de presença em sala de aula, independente da qualidade dessa presença ou da falsidade desse dado, seja de acertos na prova paulista, aí a sua gestão pode estar demitida mas também de uso de plataformas. E com isso entramos no último ponto que eu queria falar que é sobre esse aspecto da mercantilização.

Toda essa questão dos índices é muito direcionada à mercantilização do Ensino só que para além do problema em si, de princípio, de que a Educação não deve ser uma mercadoria porque a partir do momento em que a Educação é uma mercadoria a formação humana das pessoas pode estar em risco, também devemos pensar “Para qual mercado?” Então, se lá nos Estados Unidos, a partir dos anos 50 houve toda uma política que visava o Bem Estar Social, desenvolvimento industrial com uma abertura nos anos 80 para o Neoliberalismo. E é essa a crítica que ela faz no livro. Atualmente no Brasil qual é o mercado? É a platadormização, é a entrada cada vez maior de trabalhos informais e é o que, cada vez mais, passamos a inserir no currículos com disciplinas como empreendedorismo, projeto de vida etc. Então para além de ser uma abertura absurda para o mercado é uma abertura para um mercado totalmente precarizado. É uma abertura que você começa a treinar os seus estudantes desde a tenra idade, desde o ensino básico, para que eles saibam abrir um aplicativo e aí lá na frente eles se tornarem Uber, entregadores do Ifood ou qualquer coisa desse tipo. É de fato rifar o futuro das gerações em troca de um projeto bastante neoliberal e mercadológico e de uma concepção bastante pobre de educação na qual você produz sim muitos dados e esses dados são sedutores, afinal de contas quem não quer ter 3, 4 parâmetros que caso sejam resolvidos todos os problemas da educação estão resolvidos. Mas que já existem balanços que demonstram que qualquer projeto que busque retirar esse ingrediente humano dos processos educativos está muito fadado não só ao fracasso mas também para a abertura do desenvolvimento de ideias totalmente absurdas na sociedade. Agradeço.

PERGUNTAS

André

A Adesão ao ENADE foi feita à pouco tempo mas faz tempo que esse debate aparece aqui pelo IFUSP e pela USP então porque que o DCE, os CAs, a representação estudantil não fizeram nada?

Carlos

Detalhes sobre o porquê não falaram, se não falaram, acho que em cada momento, em cada conjuntura específica daria para ter uma resposta um pouco distinta mas, a resposta que eu te dou hoje. Com a consciência que tenho hoje desses processos é que parte principalmente de dois pontos: 1) A falta de apropriação e profundidade que temos sobre todas essas questões, a falta de estudo mesmo. Então o que acontece, principalmente no Movimento Estudantil, mas mesmo lá no movimento sindical é que se está sempre nesse processo de resistir à pauta que está explodindo na nossa cara naquela hora. Então essas coisas que exigem um estudo, um aprofundamento e uma atuação mais de médio e longo prazo, muitas vezes vai ficando para depois até o momento que explode. Esse corpo ativo acaba não se apropriando dessas coisas. Em especial aqui na USP, acho que tem um segundo aspecto, 2) que é o problema do viés muito sério, essa questão do ENADE aparece aqui como uma coisa menos grave porque a USP já é a maior universidade, considerada a melhor universidade do País. Então estamos bastante confortáveis com essa posição de que “Nós somos uma ilha”. Muito provavelmente nossos especialistas vão ajudar a formular quais vão ser os índices de análise considerados no ENADE, então meio que o nosso está garantido. O que é uma fala até bastante recorrente nos colegiados aqui do IFUSP. Lembro de um ano em que estavam sendo feitos vários cortes de bolsas das universidades e uma das coisas que foram debatidas nas Congregações do IFUSP foi “Temos que correr atrás de garantir as nossas bolsas e não um aumento geral de bolsas para garantir a de todo mundo”. Então acho que temos esses dois problemas. Do Movimento Estudantil e outros atores sociais não conseguirem se apropriar e profissionalizar a ponto disputarem nos mesmos termos: “beleza, tem uma pesquisa aqui falando x” nós fizemos outra, científica também, não só uma opinião ideológica que aponta outra coisa, que rebate. Mas também tem essa questão do Viés que é mais específico da USO.

Denis

Outro ponto que acho que agrega também é que a USP é, se não me engano, a única Universidade que não tinha aderido a fazer o ENADE, então pelo que eu sei a USP, tanto o corpo docente quanto os estudantes sempre resistiram à isso, Mas basicamente o ENADE atual foi imposto, não foi discutido com a comunidade. Fomos informados de que tinha que fazer o ENADE. Então está acontecendo mais ou menos isso e o ENADE, nesse caso agora não está vindo também do mesmo jeito para todos os cursos universitários. Não sei se você acompanhou mas para a Medicina e para a Licenciatura vão acontecer todo ano e obrigatoriamente. E isso impacta na formação pois fica como se fosse uma OAB, todos os alunos da licenciatura, não importa o ano em que entrou deverão prestar o ENADE para ter seu diploma. E isso vem de uma política federal para o Ensino, não tinha como a USP se negar a acatar isso (mais ou menos) pois poderia desvalidar todos os cursos da licenciatura da Universidade. Como foi uma decisão federal imposta para tentar suprir esse deficit de professores e médicos obrigaram todo mundo a aderir a isso. Como uma política para não fechar esses cursos a USP teve que aderir. O ENADE vai ser aplicado na USP como um todo mas o obrigatório anual será para Medicina e Licenciaturas.

André

Não daria para participar então só Licenciaturas e Medicina? Por que outros cursos também devem cair nessa dinâmica de metrificação?

Carlos

A adesão nesses processos, programas etc são bastante complexas do ponto de vista burocrático então acho que a USP prefere aderir como instituição para evitar com que cada unidade tenha que decidir sobre isso para evitar mais burocracia. Em especial a USP tem uma estrutura bem grande em relação a isso e, quando são esses interesses mais ligados ao mercado ela não abre mão de tomar uma decisão centralizada e unitária. Quando foram as cotas, aí deixou para cada unidade debater se aderiria ou não. Quando é esse outro tipo de interesse se costuma usar esse outro tipo de argumento burocrático de que não tem o que fazer e que deve ser uma decisão unitária pois daria muito trabalho abrir exceções. Mas o que também queria comentar é que é muito sedutor né. Existir essa produção de dados, com todas essas provas que vão, ao menos à curto prazo, que reforçam a qualidade da Universidade. Então a USP, demonstra também que deseja voltar a ter um Status, que é um status que nos últimos anos foi bastante atacado mas que também, com a criação, especialmente de Institutos Federais em vários cantos do Brasil. Do ponto de vista do Ego médio do professor titular USPiano que comanda os setores burocráticos da Universidade deixa essas pessoas bastante afetadas. Por exemplo, dados de que a Educação no Ceará está melhor do que a educação em São Paulo, e qual o papel da USP nisso? Então as pessoas querem, no lugar de fazer a reflexão política sobre isso, querem ter um dado. E nós precisamos, obviamente, dos dados. Mas o caminho talvez não seja esse, da promoção, competição e entrada da lógica do mercado.

Vinicius

Estou aqui na USP há muitos anos, nunca precisei fazer o ENADE não tenho a menor ideia de como é essa avaliação. Queria saber quais são os principais indicadores e dados, se ele avalia de fato a qualidade do Ensino. Por que, nos dizemos a melhor universidade da América Latina mas muitas vezes na sala de aula o aluno precisa aprender sozinho. E se a avaliação é feita só do Ensino ou também da produção científica dos alunos que estão fazendo a graduação, iniciação científica, etc.

Denis

Acho que essa é uma pergunta complexa e que está bem respondida pelos trabalhos do professor Ewout. Ele critica o ENADE faz bastante tempo, se você entrar no site do IFUSP você pode encontrar uma carta escrita (Leia a carta aqui) pelo professor criticando a aprovação do ENADE que ocorreu aqui no IFUSP. Ele aponta que o principal problema é a variação de dados em relação ao número de formandos. Cursos que formam poucas pessoas tem dados no ENADE que variam muito. Por exemplo, se em um ano poucas pessoas se formaram e por “n” motivos quem prestou o exame foi mal, isso significa que o curso inteiro está horrível? Todo desempenho, todas as medidas que vamos avaliar, contratação de professores etc. Acabam sendo balizadas por isso. Ele questiona a qualidade dos dados do ENADE e do IDEB para isso, como os dados são imprecisos, etc.

Mas reforço os perigos que um ENADE obrigatório pode trazer, que é um dos pontos que o Carlos trouxe que é fazer o curso se tornar um curso para a prova. A preocupação deixar de ser a abertura do ensino e virar um curso para realizar a prova.

Carlos

Sobre a avaliação em si, é como se fosse uma provinha de vestibular, prova de múltipla escolhas, as vezes com uma coisa ou outra dissertativa e a ideia é de verificação de aspectos básicos do Ensino. Então vão escolher algumas habilidades e competências que são esperadas de toda pessoas formadas em física. P.e.: tem que conhecer a segunda lei da termodinâmica, como contextualizar as leis de Newton, resolver tais problemas etc. Quais são os problemas de tornar isso obrigatório, para começar, é que assim como aconteceu com o ENEM, que você tinha um exame para avaliar de forma mais genérica o nível da educação. Nem sou contra existir algum tipo de exame nesse sentido, mas quando você torna esse tipo de avaliação obrigatória e se propõe a geração de índices para avaliar se um curso está bom ou ruim, classificar os estudantes etc. Acontece o mesmo que aconteceu com o ENEM. A partir do momento que o ENEM deixa de ser uma prova só diagnóstica e passa a ser também uma prova classificatória, o que você tem é cada vez mais o viés em relação a isso. Tem um viés do ponto de vista negativo, então vai ter estudante que vai fazer de qualquer jeito, então isso não avalia de fato a qualidade do curso. Ou caso isso traga alguma vantagem para o estudante, como a classificação para a Pós, o estudante vai começar a estudar exclusivamente para o que a prova cobra.

Mas também há uma questão que é: “O que de fato essa prova diz?” Uma pessoa faz uma prova muito parecida com um vestibular e vai mal. O que de fato essa nota diz sobre o curso que ela fez? Da mesma forma que o vestibular não seleciona nem classifica as pessoas e problematizamos no sentido de que o Vestibular só existe porque nós não temos uma Universidade com vagas para todos que queiram estudar possam fazer isso, sinto que também há um processo de distribuição de recursos da Educação no Brasil que também pode ser afetados em relação a isso. Por exemplo, a Poli está precisando construir mais um laboratório e precisa de x recursos, poderá argumentar que tem uma nota maior no INADE do que a Faculdade de Educação por exemplo. E eles vão ter os dado em relação a isso. Gera esse “Efeito Matheus’.

Efeito Matheus que é uma ideia que pode ser parafraseada pelo bonde das meninas que é “o de cima sobe e o de baixo sempre desce”, o Efeito Matheus tem esse nome porque vem do personagem bíblico e vem dessa ideia de que, se você já tem toda uma estrutura que te beneficia, a chance de você ir bem nos índices é maior e o contrário também. Então é essa coisa de que quem é privilegiado é sempre rebeneficiado, etc. Daí quando se coloca essa provas classificatórias temos que pensar, quais as chances objetivas, de mesmo a gente que é físico, de exatas etc. irmos melhor em um índice vestibulesco do que um estudante da Poli? É zero, ou muito perto disso. Por que? Porque eles são treinados a fazer esse tipo de prova vestibulesca etc. Então tem um pouco disso também.

André

Se o aluno se recusar a fazer ele não recebe o diploma?

Denis

Isso para os estudantes de medicina e licenciaturas para os demais será opcional.

Carlos

Eu diria que vai ser “optatório” (risos).

Ely

Primeiro, gostaria de agradecer. Sou Ely, da pós-graduação. Sou também do Cefisma e conversei bastante com o Denis que veio me procurar para que o CA fizesse alguma atividade sobre isso e acho muito importante do CA se colocar como um meio para viabilizar esses debates, então estamos abertos a quaisquer ideias que surjam.

Outra coisa que queria comentar, especialmente da fala do Carlos, é como temos uma mania de querer importar coisas já falidas. É importante colocarmos que há pouquíssimo tempo o Governo Federal estava pautando a privatização de presídios no mesmo método que é o método Estadunidense que, se você for olhar as prisões lá é a definição de fracasso. Mas é interessante ver como essa coisas se repetem e pensar porque se repetem. A minha pergunta vai no sentido de saber como está o Sindicato. Quem dirige? O que está sendo discutido? O que o pessoal está falando nesse espaço político muito importante.

Carlos

A primeira coisa, sobre a questão de importar coisas falidas, acho que precisamos colocar com muita assertividade o quanto as vezes a oposição de setores que chamamos de esquerda é uma oposição muito mais performática do que uma oposição concreta, de conteúdo. Então vemos que a política do Governo Federal e a política do Governo Estadual não são tão diferentes assim, então se chamamos o Tarcísio de fascista aqui, é no mínimo curioso afirmarmos que as políticas do Governo Lula para a educação estão sendo progressistas. Porque se colocarmos no papel elas contrastam muito pouco umas com as outras. E esse mesmo processo aconteceu nos Estados Unidos. A autora apresenta que lá os Republicanos e os Democratas concordaram de uma forma incrível sobre esse ponto. Lógico que a forma com que se aplica, o nível de autoritarismo, como o discurso é mobilizado de forma mais ou menos inflamado a depender do interesse muda mas o conteúdo é mais ou menos o mesmo. E isso é algo que devemos pensar à respeito.

Sobre o Sindicato, conversamos bastante com esse tipo de coisas também, porque o sindicato de professores do Estado de São Paulo, ele têm sido dirigido por mais de 20 anos pelos mesmos setores, ligados ao Campo Democrático Popular, principalmente setores do PT e agregados. Temos a Bebel que foi presidente durante muito tempo, agora ela não é presidente mas foi criado um cargo de 2ª presidente para que ela seguisse no controle sindical. E ela é muito ligada à esse campo do PT, então essas críticas que podem afetar de alguma forma o governo federal elas só acontecem por parte dos setores de oposição. Então é MUITO doído, muito difícil de se ver o sindicato sendo crítico e mobilizando quando é uma política defendida por Tarcísio e Lula. Quando é algo que só o Tarcísio defende aí sim, está lá, apontando que é Fascismo etc. O que vemos hoje é que o Governo Federal também está nesse processo de Neoliberalização. Busca cortar custos a qualquer custo, busca uma série de processos que vão nesse mesmo sentido. Então a direção mesmo do sindicato têm se omitido em algumas pautas. Poderia ser mais assertiva e ir mais atrás. Por exemplo, a questão dos professores categoria ó. O que são professores categoria ó? Professores contratados pelo Estado num modelo de contrato mais precarizado. No lugar do Estado realizar concursos e só contratar mediante concurso, um professor com mais direitos, estabilidade etc, se contrata por dois anos, com o professor perdendo uma série de direitos, à faltas, reposição e principalmente estabilidade. E com isso, esse categoria ó, além de sofrer muito mais assédio que qualquer efetivo, o que ajuda a “bater as metas”. Também tem esse processo de “agilidade” na renovação escolar. Em que se vai passando a boiada para notório saber, criação de disciplinas etc.

Isso não é uma política isolada. Temos isso acontecendo em São Paulo mas por que acontece em São Paulo? Por que temos o MEC, que é o Ministério da Educação, que permite com que aconteça. Se fosse barrado pelo MEC não aconteceria. Bastava uma portaria do MEC estabelecendo que todo professor para atuar nas redes publicas deve ser contratado mediante concurso público, proibindo essas outras modalidades. E por que isso não acontece? Existe uma convergência que busca cortar gastos e reduzir o papel do Estado no próprio Estado. O que é uma contradição absurda. E o orçamento da Educação, é sempre bom lembrar, é um orçamento bastante avantajado e vai sempre sendo sugado por outros setores e outros agentes. Aqui em São Paulo tivemos as comprar absurdas dos tablets e outros equipamentos digitais pela empresa de um parente do Secretário de Educação. Curiosamente a empresa que ganhou a licitação era de um parente do Secretário da Educação.

André

Sugiro que se fizerem mais debates sobre o tema chamem outros cursos. No IME muita gente é contra mas alguns professores são seduzidos pela ideia de que para o estudante da USP será fácil. Será muito legal fazer uma mobilização com outros estudantes da USP. Agora que os estudantes estão mais cientes.

Denis

Sou muito a favor disso, essa é uma primeira atividade sobre o tema é bom que a gente consiga fazer virar algo maior. É importante ter começado aqui no IF também porque a aprovação foi feita aqui e como você disse ninguém está sabendo muito bem sobre. Todo mundo foi pego meio de surpresa e é o objetivo também. É de fato uma política de violência que a gente vive e te convido também. Propõe, vamos correr atrás. A organização estudantil não se resume ao Centro Acadêmico, vai muito da gente se entender que estamos puto com isso e não queremos o sucateamento do nosso ensino.

Carlos

Só complementando, acho que não se resume mas é central essa participação dos Centros Acadêmicos, do DCE, então tem que cobrar para que se posicionem. Por exemplo, até essa semana estávamos em período de CONUNE né, o Congresso da UNE, todo mundo disputando e, quais chapas falaram sobre o ENADE? Necessário colocar: Beleza, tem várias chapas? Vocês estão fazendo campanha. Tem diferenças, aproximações, mas sobre essa questão central qual é o programa da chapa de vocês? Esse tipo de coisa precisa ser cobrada.

Para além disso, e aí falando com o pessoal do Cefisma, acho que temos um trabalho profundo e que vem se perdendo nas organizações sociais, etc. Que é um trabalho de produção de documentos com qualidade, porque uma coisa é a gente vir aqui, faz um debate, tem uma mobilização. Tem coisa que conseguimos até barrar, mas não produzimos registro nenhum. Então, quais são os registros que produzimos que nos permitem que sempre que uma pauta desse tipo volte a gente esteja sempre muito bem nutrido? Porque a Instituição produz esses registros para si. É muito curioso porque nesse meu tempo de ME, quando construí o Cefisma etc. A fala dos professores, especialmente os mais reacionários, era sempre uma fala que brincava muito com a temporalidade da coisa. Eles sabem que você sendo um estudante aqui, o seu tempo de permanência é 5 anos, o dele é 50. Então você se organizou ali, com um grupo radicalizado para barrar determinada coisa, eles tiram de pauta e esperam você se formar. Aí jogam novamente quando o Movimento Estudantil está mais desorganizado, desmobilizado, quando tem alguém mais alinhado a esses interesses.

Precisamos ser inteligentes politicamente, no sentido de que também precisamos ter os nossos registros, não dá para contar com a instituição para contar a nossa história de Resistência. Porque para ela não é isso que importa. Por exemplo, alguns anos atrás barramos a contratação de um professor assediador de ser contratado. Qual foi o registro histórico que fizemos disso? Como foi que fizemos isso? Quais foram as contradições? Se acontecer novamente a mesma coisa, o que podemos fazer? Temos já bem consolidado como agimos nesse tipo de caso? Em partes é estar pronto e organizado para se mobilizar mas em partes é também construir documentação de qualidade, orientações e acúmulos de qualidade.

E em especial essas questões técnicas porque, um ENADE, uma mudança de política pública, não vai ser proposto por um Zé mané qualquer, vai ser sempre um pesquisador que vai propor, alguém que tem referências, informações, dados. Então temos que entender que será sempre muito difícil se opor a esse tipo de ação só com a nossa boa vontade. Então precisamos também nos armar dos referenciais teóricos, das discussões, dos debates e sobre a educação no Brasil, recomendo muito Dermeval Saviani, Escola e Democracia no Brasil. (LEIA AQUI).

Vinicius

No Brasil, temos cursos de bacharelado e licenciatura em física. A maior parte das Universidades privadas não tem bacharelado em Física, só conheço uma que tem que é a PUC-RJ, então imagino que o ENADE sendo aplicado aqui você vai ter um modelo de prova que vai ser mais parecido com o que já rola nas universidades públicas que já rolam aí a fora mas nas licenciaturas talvez seja mais parecido com o das instituições privadas. E queria perguntar se durante esse tempo há algum acúmulo, alguma perda de direito que aconteceu por conta desse tipo de avaliação, em especial nos cursos de física, tanto do bacharelado quanto da licenciatura. Se impacta na entrada da pós-graduação, etc. Porque estava comentando com o Ely que eventualmente essa prova sendo aplicada podem surgir propostas de substituir o EUF, por exemplo.

Carlos

Primeiro, de detalhe específico de como isso impacta nos cursos, o ENADE em si impacta bastante inclusive nessa questão de oferecimento mesmo. “Nunca pergunte à uma Intituição privada porque ela não oferece mais determinado curso”, porque a resposta é sempre a mesma “Não dá Lucro”. Então se não temos cursos de bacharelado em física na Universidade privada é porque não tem mercado para Físico na visão deles então não vai ter os cursos. O dado específico do efeito do ENADE em si em outras instituições com o curso de física eu não tenho então não vou falar. O que posso falar é do aspecto geral dessas avaliações. A partir do momento em que você tem uma nota é muito tentador usar essa nota. E o que temos usado ao longo dos últimas anos é uma classificação rasteira em que se joga todo mundo num mesmo patamar e se fala “Quem merece mais ?” E com isso instituições mais tradicionais acabam tendo notas, na maioria das vezes melhores, e a partir disso se faz a distribuição de bolsas, por exemplo, a distribuição de de recursos, de tudo quanto é coisa. Acho que a principal nota com a qual estamos habituados é a nota da CAPES, então, de vez em quando os cursos ficam desesperados correndo atrás de melhorar a nota da CAPES “porque está ruim, os professores e pós-graduandos precisam publicar mais, etc”, o que já vem tendo impactos horríveis na pesquisa. Então temos acompanhado aí, nos últimos 5 anos um avanço do que gosto de chamar de método “Zé do picadinho”, que é, no lugar de publicar um artigo se publica 10 com os mesmos resultados. Tem tido um avanço disso nos últimos 5, 10 anos e para além disso, no último ano tivemos pelo menos duas retratações grandes de Revistas grandes com centenas de artigos sendo retratados por conta de publicação desonesta, com uso de inteligência artificial. Então é assim, “Ok, se para bater a meta eu tenho que publicar 10 artigos por ano, eu vou mandar o Chat-GPT produzir para mim e vou publicar 10 artigos por ano. As revistas aceitam, todo mundo fica feliz, eu bato minha meta”. Aqui na USP não sentimos tanto esse efeito porque as pessoas ainda tem algum tipo de princípio por estarem numa grande Universidade, etc; Mas mesmo aqui não boto minha mão no fogo não. Tem efeitos catastróficos.

Sobre o EUF, questão importante e acho que existe um trabalho específico que os Físicos do IFUSP, o Cefisma, precisa fazer e se apropriar que é: A Sociedade Brasileira de Física, fica ali em cima, é só terminar de subir as escadas. É um prédio e está lá, então se alguma comunidade de físicos tem capacidade de pressionar por melhoras no EUF é quem está aqui próximo. Não dá para esperar que um físico lá no Rio Grande do Norte vá ter a mesma capacidade de denunciar que uma prova está injusta. E inclusive temos novamente a questão do viés, é muito comum que a prova do EUF beneficie físicos da USP, o currículo é mais próximo do nosso currículo, os problemas são próximos de problemas que nós discutimos na nossa formação mas o exame é um exame nacional. E aí os físicos no Brasil inteiro precisam se adaptar para as coisas que fazemos aqui mesmo que não faça sentido nenhum para a realidade social deles. Então acho que o EUF tem suas questões também então subam a escada e conversem lá com o povo. Inclusive é um prédio cedido então acho que o mínimo é prestar esclarecimentos à comunidade quando convém.

Carlos

Para encerrar mesmo, sobre perspectivas do Sindicato e outras coisas, estamos num momento tanto do Movimento Estudantil quanto do Movimento Sindical, de política geral no Brasil que é um momento muito complicado. Eu gosto de fazer uma analogia que é uma analogia de uma árvore. Tivemos ali o crescimento do PT, de um jeito muito bonito de se ver tal qual uma árvore que tem a sua seiva, o seu crescimento e seus frutos sendo observado como uma coisa muito orgânica, muito bonita, muito profunda desde os anos 80. Então teve toda uma convergência para que esse projeto fosse defendido a partir dos anos 80. Mas esse tipo de árvore é uma árvore muito mais parecida com uma mangueira do que outros tipos de árvore. Para quem conhece, sabe que a mangueira tem como característica crescer muito, faz uma copa gigante o que significa que nada cresce à sua sombra. Então acho que o PT tem também construído um processo muito profundo de impedir com que todas as outras alternativas de esquerda cresçam. A partir do momento em que você faz alguma crítica à uma política do Governo Federal por exemplo, você é taxado de “vai fazer a direita voltar, fascista etc”. Tal qual o PCBR faz, então essa é uma questão, mas o momento que vivemos hoje que exige nossa reflexão é um momento que primeiro, claramente houve um esvaziamento de conteúdo, então se essa árvore cresceu muito, impedindo que coisas crescesse à sua sombra e em algum momento ela foi muito bonita. Hoje em dia quando você bate nela, se percebe que ela está um pouco oca também. Então o conteúdo político que fazia com que essa árvore resistisse em pé, já não existe mais. Então essa organização que estaria ao lado da classe trabalhadora ela infelizmente já não existe mais e está totalmente voltada ao Neoliberalismo e à defesa dos interesses de mercado, e é preciso apontar isso com muita firmeza. Isso coloca um desafio para todas as outras alternativas, então precisamos construir, Centros Acadêmicos, DCEs, uma UNE, um Sindicalismo que seja vivo, ativo e que consiga pautar suas políticas. Um sindicalismo que não se proponha só a resistir aos ataques e de ano em ano lutar por salário, porque os professores hoje reclamam sim do salário mas também reclamam porque “Porra, meu aluno não aprende nada”, não há liberdade de cátedra, dos assédios. Reclamam de uma série de processos que não são só sobre salários, sobre a questão econômica. Então precisamos ter um sindicalismo e um movimento estudantil profícuo nesse sentido, mas para isso precisamos ser muito bons! Precisamos nos organizar, ter disciplina, estudar. Precisamos ser muito foda! Precisamos nos colocar nessa posição de “Eu não vou ser pautado! Eu vou ser a cabeça dirigente desse processo”. Como eu não vou ser pautado por grupos que têm mais recursos? Mais capacidade de atuar? Mais tempo objetivamente? Só sendo muito bom! E se tiver organizado em grupos, então precisamos superar nossa falta de estrutura com nosso aumento em organização. Eles são maiores mas a gente é mais ruim!

Denis

Para finalizar faço um convite pra os bacharelados também se preocuparem com os ataques que estão sendo feitos na educação. Se preocupem com o que vai ser uma sociedade não-científica para a sua profissão, que será uma sociedade que não vai se preocupar com o que nós fazemos aqui, que é uma comunidade estudantil que vai chegar com cada vez menos base para a formação e o que é pensar no futuro professores desestimulados, a falta de questionamentos sobre a educação e as violências que já sofrem no curso. Principalmente quem é o bacharelado precisa também se preocupar com educação. Muitos problema que eu vejo a galera do Bacharelado sofrendo podemos discutir em grupo como superar numa perspectiva educacional e estar mais atuante então faço essa convocação também. E para quem é da Licenciatura, vamos nos organizar, pois está em cheque nosso futuro, nossa profissão, o sentido da educação, outras perspectivas de controle. A partir do momento em que temos câmeras em sala de aula para fiscalizar diretamente o que o professor faz em sala de aula, para um secretário demitir ou punir de alguma forma o professor ou o aluno, qual será o próximo passo? Colocar guarda para fiscalizar o aluno? São políticas de violência que buscam transformar o professorado em guardas, apenas vendo se o aluno preenche “x” nas provas. Temos que construir cada vez mais essa perspectiva mais ampla. Essa mesa não tem que acabar aqui. Mas temos que ver como essa pauta pode impactar no geral.

Ely

Agradeço em nome do Cefisma quem colaborou com a mesa, participou do debate comentando ou assistindo. Quem tiver sugestões pode entrar em contato com o Cefisma, pois isso faz parte da construção de uma entidade de luta e altamente democrática como deve ser.

Sobre o autor: Carlos Chaves é formado em licenciatura do IFUSP. Atualmente é professor, aluno de mestrado e militante do PCBR.

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