Um Coletivo em Urano

No dia 8 de agosto, aconteceu a terceira sessão de cinema do Coletivo Prisma Gabi Weber deste ano. A primeira exibiu ‘Paris is Burning’ e a segunda exibiu ‘Bixa Travesty’. Na mais recente, trouxemos o documentário ‘BloodSisters: leather, dykes and sadomasochism’ de Michelle Handelman e lemos o texto ‘Prótese, mon amour’ de Paul B. Preciado. O filme, como o título sugere, documenta a comunidade lésbica sadomasoquista usuária de couro de São Franscisco; o texto, como o título não sugere, explora a criação e status político da identidade butch – lésbicas, em sua maioria, que performam masculinidade; algo como nossa caminhoneira ou (minha preferência) nossa fancha – sob uma ótica histórica e contrassexual da teoria do Preciado.

Não nego que tive grande influência na idealização deste evento, ‘BloodSisters’ é um dos meus filmes favoritos e, ultimamente, é impossível me encontrar sem a companhia de um livro do Preciado. Mas, eu nunca tive grandes pretensões de começar um grupo sadomasoquista no IFUSP ou de convencer alguém que eu sei algo sobre teoria queer. Acho que me vejo muito nas pessoas entrevistadas em “BloodSisters’ e nas palavras do Preciado; escrevi uma breve resenha do filme depois de reassisti-lo pela primeira vez que resume muito do que sinto em relação a este documentário:

Passei a primeira metade do filme com o “manifesto contrassexual” do Preciado em mente; ando pensando muito sobre a construção da identidade sexual e o que significa ter algum poder sobre ela. Quão perigoso é aceitar a identidade pré-definida? Quanto consentimento realmente existe em sexo em que ambas as partes fazem o que acham ser correto, que a única conversa quese tem é para dizer um “sim”, chamar de consentimento, e não falar mais? Não tem como negar que a identidade SM leather dyke trás consigo – intencionalmente ou não – novas questões para quem assume entender identidade sexual, gênero e patriarcado.

Entretanto, tal como na primeira vez que assisti, esse documentário pega no coração. O sentimento de pertencimento, de que existo. Nós, pessoas lgbt, carregamos um legado. não somos pessoas sem família, sem comunidade; teve alguém antes de nós. Pessoas que conformavam ainda menos do que nós conformamos, com identidades de gênero e identidades sexuais autenticamente suas. não tem como não sorrir, não se fascinar.”

Precisava trazê-los para o IFUSP – tanto o filme quanto o Preciado -, colocá-los à conversa; precisava que outras pessoas lgbts vissem eles, que validassem esse meu sentimento.

Quando se sonha com a USP no ensino médio, se pensa em muitas coisas. Eu ansiava por minha ideia de cidade universitária – uma junção de Legalmente Loira com American Pie -, pela ideia de estar cercada por um horizonte sem fim de conhecimento, fazer dezoito anos, sair do interior de São Paulo e por finalmente pertencer. Não se entende o conforto que existe em pertencer até enfim poder olhar para sua esquerda, para a sua direita e não se sentir diferente; quando se conversa sobre a vida e suas experiências e, não só se sentir ouvido. Se sentir igual. E, então, as experiências que lhe são contadas de volta expandem sua compreensão sobre as suas.

Após assistirmos o documentário e lermos o texto, entramos em regime de roda de conversa. Em regime de partilha de experiências. Em regime de opiniões-vivências. Novamente em regime de roda de conversa. Em regime de revolução. E, então, nós entramos em estado de coletivo. Um coletivo que nasceu sempre desse jeito, um coletivo sempre em trânsito; de pessoas que transam, de pessoas que amam; um coletivo que pode ser descrito por labels mas que deles se liberta quando junto, um coletivo que é sujo e anti-higiénico.

Desde que me mudei para São Paulo, senti muita falta de ser pertencente a uma comunidade queer – uma comunidade para além de meus amigos – e, nesse Cinema e Debate, me veio à esperança: uma Comunidade queer no ifusp é possível. Que possamos discutir e entender juntos o que é ser e que, então, com a convivência eu possa construir minha identidade na imagem da de vocês.

Sobre o autor: Triz é estudante do bacharelado e membro do Coletivo Prisma GW.

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